quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Intervir ou assistir: eis a questão!

Ontem pela tarde li um artigo que o Delfim Netto escreveu para o Valor, postado pelo Alfredo Passos em seu blog, e decidi escrever sobre o texto aqui no Trilhas. Diga-se de passagem, o blog do Alfredo é bem legal! Em meio a uma crise financeira de proporções tão alarmantes como foi esta última vivida pelo mundo, era de se esperar o aumento no nível de desconfiança sobre o sistema financeiro, aumentando os problemas de risco moral (risco existente ao se tomar alguma decisão financeira em que um dos agentes envolvidos possui mais informações do que o outro, a chamada assimetria de informação) e seleção adversa (também influenciada pela assimetria de informação, que leva o agente a "selecionar" serviços e bens de mercado de forma incorreta). Ainda que o sistema de economia de mercado tenha sido fortemente abalado, também não acredito que o mesmo esteja em ruínas, bem como acredito ser este o melhor já vivido pela humanidade até hoje. Devo reconhecer que tal sistema não é perfeito, porém, é o que me parece mais justo ao se colocar o enfoque no homem, enxergando-o enquanto indivíduo econômico, pois preza pela meritocracia. Repito que isto não torna a economia de mercado imune a falhas - elas existem e são muitas!

Nesse sentido, acredito na presença do Estado indutor (constitucionalmente controlado - nas palavras de Delfim) enquanto agente responsável pela manutenção da concorrência e da economia de mercado. Não acredito em sistemas perfeitos, com níveis ótimos de satisfação entre ofertantes e demandantes, em que o processo concorrencial por si só é um alocador ótimo de recursos ou cuja toda soberania na tomada de decisão esteja nas mãos de um único agente - o Estado.

Enquanto estudante de economia, a minha visão do mercado é: existem inúmeras necessidades humanas e estas se modificam muito rapidamente. Portanto, para que estas sejam atendidas, devem existir agentes interessados em atendê-las, visando obter, em contrapartida, algum ganho adicional por tal esforço: o lucro. De imediato, pode-se excluir o Estado do “hall” dos agentes responsáveis por suprir necessidades tão diferenciadas, inclusive, por não deter recursos suficientes para serem investidos nesse processo. Sobram as empresas. Contudo, visando obter lucros "extraordinários", estas podem recorrer a práticas pouco apreciáveis, até mesmo antiéticas, necessitando de regulação. Um exemplo claro disso é a possibilidade de cartel, em que os produtores combinam preços e extinguem as práticas concorrenciais, cujo principal reflexo é sentido pelo consumidor, agora submisso a preços menos competitivos e produtos de qualidade inferior (se não há concorrência, não há estímulo para se inovar e alcançar fatias mais expressivas de mercado ou lucros extraordinários). Justamente por isso que existe o CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), cuja finalidade é a de “orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e da repressão a tais abusos”, vide site do próprio Conselho.

Segundo Delfim, para que a economia de mercado ocorra, faz-se necessário que a sociedade aceite e dê dignidade às atividades realizadas pelos inovadores e que estes possam se apropriar dos benefícios de suas realizações, porém, isto imprescinde das mãos de um Estado indutor, “com mãos leves e amigável em relação a eles”. Assim, Delfim chama atenção de que era esse Estado “amigável” com os empreendedores que faltava na China e na Índia até 1978 e 1991, respectivamente:

O que faltava era um Estado indutor que: 1) respeitasse e dignificasse a atividade do setor privado; 2) libertasse o “espírito animal” dos empresários para utilizar e dar maiores oportunidades de progresso à mão de obra; e 3) garantisse que cada um poderia apropriar-se dos benefícios de sua iniciativa.”

Eu tenho que discordar. O Estado na China foi sim o grande responsável pelo incrível crescimento econômico do país, atraindo capitais estrangeiros para o país. Porém, isto foi feito às custas de uma manutenção artificial da moeda chinesa desvalorizada em relação às moedas de outros países, de uma legislação trabalhista praticamente inexistente, permitindo a submissão dos trabalhadores a extensas jornadas de trabalho sendo miseravelmente remunerados e, principalmente, do desrespeito ao direito de propriedade, pois as tecnologias e o modo de produção trazidas por empresas estrangeiras são copiados e utilizados por empresas chinesas para confeccionar produtos semelhantes. Assim, não concordo que o Estado chinês tenha sido indutor, com mãos amigáveis, muito pelo contrário, garantiu que cada um poderia apropriar-se dos benefícios de sua iniciativa – no caso chinês, leia-se iniciativa de descobrir o modus operandi patenteado por outrem e passar a produzir réplicas idênticas.

Delfim acredita que o mesmo fenômeno de aceleração econômica aconteça na Rússia, país que ainda apresenta fortes resquícios da ineficiência e baixa produtividade da URSS. Segundo ele, o Estado teria papel crucial nesse processo, privatizando parte de suas funções e passando a atuar com mais afinco em outras – a exemplo do protecionismo e do subsídio de alguns setores, como o automotivo, o aeroespacial e a agricultura. Eu particularmente não acredito que práticas protecionistas sejam o melhor caminho para se construir uma economia sustentável e competitiva. Ao contrário, sou convicto de que investimentos em educação e tecnologia são os verdadeiros responsáveis por construir as bases de sustentação de uma economia sólida e competitiva a longo prazo.

Finalizando, concordo com Delfim no que se refere à economia industrial como “a face” mais importante da economia, devendo ser priorizado em detrimento do capital financeiro. Contudo, o capital financeiro não pode ser ignorado, pois propicia a realização de uma série de investimentos em capital fixo, gerando emprego e renda e, por conseguinte, apresentado efeitos multiplicadores positivos e reais na economia de um país.



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